Por que as pombas são consideradas pragas?
Já pensaram no simbolismo das cartas carregadas pelas pombas? Pequenas folhas de papel, dobradas e confiadas a um ser alado, carregando mensagens que podiam mudar vidas: declarações de amor, ordens de guerra, notícias de esperança. Eram um laço direto entre pessoas separadas pela distância, uma forma de vencer o silêncio que o espaço impõe.
Hoje, o que restou disso? Será que a transição das cartas para o digital nos desconectou de algo essencial? Perderam-se os rituais: escolher o papel, escrever à mão, selar o envelope. Toda essa intenção foi substituída pelo instantâneo, pelo imediato. É mais eficiente, claro. Mas será que é mais humano?
E aí está a ironia: as pombas, que antes carregavam os sentimentos mais profundos de alguém, agora vivem em cidades que as rejeitam. Elas são lembretes vivos de uma era em que o tempo e o cuidado tinham valor. Quando foi que decidimos que essas mensageiras aladas não eram mais necessárias? E, ao deixá-las para trás, será que também descartamos algo de nós mesmos?
Se as cartas eram um símbolo de conexão e as pombas seus mensageiros, o que isso diz sobre a nossa relação com o que transmitimos hoje? As palavras ainda têm peso? Ou tornaram-se tão rápidas e descartáveis quanto os toques na tela de um celular?
Que direito tivemos de descartar as pombas assim? Elas não pediram para fazer parte da nossa história, mas nós as colocamos lá. Fizemos delas mensageiras, confiamos nossos segredos e esperanças, e, quando encontramos algo mais rápido e eficiente, simplesmente viramos as costas. É ético tratar o que um dia nos serviu como descartável?
Se hoje as chamamos de pragas, a responsabilidade não deveria ser nossa? Nós criamos o ambiente que elas ocupam, alimentamos o crescimento delas, mesmo sem intenção. Mas isso nos dá o direito de desprezá-las? Elas apenas sobrevivem, adaptando-se ao que deixamos para trás.
A ética aqui não é só sobre pombas. É sobre como tratamos o que consideramos obsoleto. O que acontece quando algo — ou alguém — perde seu "valor" aos nossos olhos? Temos o direito de descartar sem pensar nas consequências? Ou isso reflete a maneira como encaramos o mundo: funcional, utilitário, sem espaço para o que já não nos serve?
No fundo, não estamos apenas falando de pombas. Estamos falando de responsabilidade. Que tipo de mundo queremos construir? Um onde assumimos as consequências do que criamos, ou um onde continuamos descartando, culpando e ignorando?